Visão Magazine
2023
05.06.2023
In this edition of Visão magazine, Rodrigo Sampayo talks about “modular construction as a salvation board and other mirages”, regarding the solutions and challenges presented recently by the government for the sector.
“There is no doubt that 420 houses is better than nothing – but it is still a drop in the ocean. (…) Despite being an interesting alternative – essentially for convenience hotel projects, for example – modular construction has several weaknesses.”
Read below the full article in Portuguese:
A construção modular como tábua de salvação e outras miragens
Foi no início do ano e a propósito do pacote Mais Habitação que o governo anunciou a construção de 420 casas de construção modular em Lisboa e no Porto. O objetivo seria o de “disponibilizar terrenos ou edifícios em regime de contrato de desenvolvimento de habitações, para poderem ser cedidos para cooperativos e para o setor privado para desenvolverem habitações a preços acessíveis.”
Dúvidas não haverá de que 420 casas é melhor do que nada – mas não deixa de ser uma autêntica gota no oceano. E que se desengane quem acha que, de repente, a construção modular pode ser a tábua de salvação de Portugal para o drama da habitação. Apesar de ser uma alternativa interessante – essencialmente para projetos hoteleiros de conveniência, por exemplo – a construção modular tem várias fragilidades. Primeiro: é difícil ter qualquer personalização, o que quer dizer que é uma boa opção para a construção de bairros ao estilo soviético, todos iguais sem qualquer diferenciação. Segundo: obriga a ter um estaleiro de grandes dimensões e complexidade, o que significa que é preciso ter uma estrutura fabril para construir os módulos para que se seja eficaz na construção. Terceiro: sob o ponto de vista de pegada ecológica acredito que tenha um impacto superior dado que para transportar os módulos será necessária uma grande quantidade de camiões TIR cuja sustentabilidade não é a característica mais forte, como se sabe. Por último, pontos a favor: é mais fácil contratar mão de obra para uma fábrica do que para uma obra, além de que a construção modular é sem dúvida mais rápida; mas há que lembrar que não é de fácil implementação em qualquer terreno, onde a topografia pode complicar bastante a eficácia do processo (p.e. em Lisboa, cidade de várias colinas).
Antes de tudo é preciso lembrar que, atualmente, um arquiteto já assina um termo de responsabilidade. Mas é apenas um documento burocrático que não tem grande valor processual, embora o tenha juridicamente, e as decisões são entregues às câmaras. O Mais Habitação vem mudar isso: a partir de agora o arquiteto responsabiliza-se criminalmente ou civilmente pelo cumprimento técnico e legal da obra, o que vai simplificar os processos de licenciamento e, a meu ver, valorizar a profissão. É algo que tenho vindo a defender nos últimos 25 anos, porque é o que faz mais sentido: os arquitetos colocam a sua responsabilidade no papel e cabe depois às câmaras fiscalizar no final e apurar responsabilidades junto dos mesmos, caso se verifiquem incumprimentos.
Acredito na valorização da profissão – que é mal remunerada em Portugal – porque, quando um arquiteto assinar um termo de responsabilidade deste tipo, já não o vai fazer de ânimo leve. Afinal, se vamos assumir responsabilidade criminal pelo cumprimento das leis, vamos ser muito mais assertivos e o mercado será obrigado a valorizar essa responsabilidade, o que se traduzirá numa valorização dos valores a pagar pelos serviços de arquitetura. Dito isto: tenho muitas dúvidas que se consiga realmente pôr em prática e que as câmaras mantenham a distância devida, uma vez que se traduzirá numa clara perda de poderes.
Por fim, a vontade de uniformizar todos os projetos entregues em formato BIM parece-me uma boa intenção, mas também difícil de concretizar. No nosso caso – ou, melhor, no caso da empresa onde trabalho, que funciona 100% em BIM – não haverá qualquer necessidade de adaptação, mas isso não é verdade para a maior parte do mercado e isto vai implicar uma transformação geral e, mais uma vez, aumentar os custos de produção que, naturalmente, se traduzirá num aumento dos valores dos projetos. E há outro problema acrescido: um projeto em BIM, de acordo com as normas internacionais, é desenvolvido com um acrescido grau de detalhe, além de que se terá de desenvolver todo o projeto, numa fase onde essa definição, atualmente, não é exigida, o que aumenta o risco de discussão de temas que até à data não seriam levantados. Basicamente, a implementação desta medida só funcionará se a do termo de responsabilidade for realmente adiante. Aí, sim, poderemos acelerar processos de aprovação e licenciamentos e vários imóveis sairão para o mercado – e o que realmente precisamos é de maior oferta. Mas é um caminho longo até lá – tão longo que me pergunto se não será uma miragem.
Rodrigo Sampayo, arquiteto e partner da OPENBOOK