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A building that reflects me, by Maria Carvalho Araújo – Architect

2023

[Text in Portuguese]

A arquitectura vernacular francesa “de perfil”

Paul Strand foi um especialíssimo fotógrafo americano que, durante a década de 1950, adentrou uma França rural, a França medieval, vernacular, bavarde, ora alpestre, ora mimosa, uma França acidental, palco da tragédia de costumes do La Place de Annie Ernaux e do tourdion extático, que à data, embora já em acelerada ruína, se encontrava ainda, em grande parte, por liquefazer pela chegada imprevidente do presente.

O gesto poético de Paul Strand foi simultaneamente a cinzelada de um escultor e o estudo de um antropólogo cultural.

© Farm, Valley of the Arc, Savoie, 1950. Philadelphia Museum of Art – The Paul Strand Collection – Paul Strand Archive – Aperture Foundation.

Não é a construção isolada, per se, que me seduz nesta imagem, nem tão pouco a composição pitoresca ou o jogo de luzes. A perspectiva não é original mas simplesmente redescoberta pelo fotógrafo. Muitos antes a intuiram e outros tantos a entalharam, e a todos assomou a vontade tímida de uma existência enraizada e sem espalhafato.

O pano de fundo montanhoso, estático, grave, o dorso escarpado e a textura rugosa, o véu alvo e amaciado de neve sobre os pedregulhos negros e silenciosos, a morfologia geológica golpeada pela geada dos Tempos. Em tudo aquilo que, em termos literários, descreve a realidade elementar e mineral da paisagem encontro também adequada justaposição ante o objecto edificado.

Tudo está pronto para regressar ao seu estado natural, ciente do seu fim antes mesmo do seu princípio. É a curiosa consciência da iminente efemeridade e volubilidade de toda a matéria que produz algo muito parecido com a perenidade. Qualquer semelhança com a realidade não é pura coincidência.

 

 

 

 

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