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A building that reflects me, by Maria Salvador – Architect

2023

Text in Portuguese

[Mosteiro Cartuxo]

Enquanto o que a Natureza cria sem auxílio do Homem responde a um conjunto de leis naturais que criam um equilíbrio, a criação do Homem tem no seu amago um conjunto de regras e conceitos que se justapõem às ordens naturais. Louis Kahn explica em “Silence and light” que a Natureza não cria uma casa ou um quarto, mas esse quarto é algo maravilhosamente humano. O “quarto” é, aos olhos do arquiteto, o início da arquitetura, o espaço da mente onde nasce o desejo de criar – “the room becames a world itself”.

© KAHN, Louis I., Silence and Light, Park Books, 1969. 

 

 

© Fundação Eugénio de Almeida

[o conjunto]

É irónico que a tipologia de edifícios que escolho, o Mosteiro Cartuxo, seja um edifício primordialmente criado para usufruir do silêncio e da solidão, quando quem me conhece sabe que adoro conversar e trocar ideias. Mas sou humana e tenho em mim muitos espaços, cada um ocupado por uma parte do meu “eu”.

 

 

[a chegada]

A chegada a uma cartuxa é geralmente marcada por um pátio que nos envolve por uma agradável escala, quase como um sorriso que nos conhece pela primeira vez. Aqui conhecemos a primeira “camada” do Mosteiro, como a igreja, a biblioteca, os pequenos claustros adjacentes e um breve vislumbre do claustro principal que por trás deste se desenvolve.

Quão diferente é esta chegada, do momento em que conhecemos alguém?

 

 

© Agência ECCLESIA

[o claustro]

Caminhando pelas galerias de pedra, pautadas pela luz que ritma o espaço longitudinal, encontro diferentes alas e portas, algumas ainda por abrir, outras recentemente abertas e outras que nunca estiveram fechadas, mas todas tendem a convergir no grande claustro, o meu Hostus conclusus – um espaço cuja atmosfera é incomparável ao que existe fora do Mosteiro.

Aqui, sinto-me confortável para desafiar o espírito crítico, para encontrar a inquietação. Aqui, floresço alegremente enquanto crio. Aqui dou gargalhadas desenfreadas e zango-me intensamente. Aqui partilho e recebo conhecimento. Aqui cresço.

 

 

© https://www.pro-evora.org/pt

[a cela]

Porém, tenho alturas em que a solidão e o silêncio me trazem a paz e o equilíbrio que preciso. Por vezes, preciso de me afastar para ver com clareza e individualidade. A este espaço da minha mente assemelho a cela de um monge cartuxo.

Através das longas galerias, paro em frente a uma simples porta de madeira – a entrada na cela. Entro num espaço humilde e depurado, com uma cama, uma secretária e uma lareira. Ao fundo, vejo um pequeno claustro por onde a paz se prolonga no exterior. Não preciso de mais para pensar ou não pensar de todo.

Aqui posso acalmar-me da agitação do mundo e estar apenas comigo.

 

 

© 7: KAHN, Louis I., Silence and Light, Park Books, 1969.  

[o silêncio]

Sou um conjunto de espaços e provavelmente ainda não os conheço a todos. Mas tenho tempo. A imensurabilidade do desejo do Homem de se expressar, o silêncio, é o princípio poético da criação da arquitetura e a minha vontade enquanto arquiteta e ser humano é que dentro do meu “quarto”, nunca exista um silêncio silencioso.

 

 

 

 

 

 

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